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“Vocês vão se f*”, disse homem que tentou matar casal gay em Manaus

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Em entrevista exclusiva ao EM TEMPO, uma das vítimas relatou detalhes dos momentos de terror que viveu no último sábado. Testemunhas ouvidas pela reportagem confirmaram o ocorrido.

Manaus – O amor e parceria de Emanoel Medeiros Marinho e Jonas Negreiros Júnior, ambos de 25 anos, afetou um homem na noite do último sábado (11). Ao pararem para comprar água na Praça do Caranguejo, bairro Parque Dez de Novembro, um deles chamou a atenção de um homem embriagado, que desferiu ofensas e depois acabou atirando no casal. O suspeito segue foragido. 

O sábado do dia 11 de setembro seria como qualquer outro para o casal. Ambos haviam deixado uma reunião com amigos no Centro de Manaus e resolveram parar na Praça do Caranguejo para finalizar a noite. Era por volta de 0h30, e a movimentação do local era grande. Muita música, frutos-do-mar e bebidas espalhadas pelas mesas.

Enquanto Jonas foi estacionar a moto em que estavam, Emanoel decidiu entrar em um bar para comprar água tônica. Nesse momento, segundo testemunhas que trabalham no estabelecimento, um homem (cerca de 40 anos, segundo testemunhas) que estava bebendo com outras pessoas se estressou porque o farol da motocicleta estava ligado na direção da mesa.

“Tira sua moto de perto do meu carro, seu veado”, teria dito o homem para Jonas, segundo testemunhas que trabalham no local. Ao ser agredido verbalmente, o jovem passou a se defender. 

Nesse momento, uma mulher que acompanhava o homem embriagado chamou Emanoel e avisou que o agressor estava armado. Ela pediu que o jovem levasse o marido embora, temendo que o pior acontecesse.

“Segundo a mulher que estava acompanhando o homem, o que incomodou ele foi o farol da moto do Jonas estar ligado. Detalhe: durante a noite, é obrigatório você estar com o farol ligado”, conta Emanoel.

 Obedecendo ao conselho da desconhecida e temendo pela vida do seu grande amor, Emanoel pediu ao marido que parasse com a discussão para que ambos fossem embora.  

Enquanto já estava na garupa da moto, Emanoel alertou o marido que o homem estava embriagado e sugeriu que os dois chamassem a polícia, já que homofobia é crime desde junho de 2019, e o agressor poderia estar com porte ilegal de armas.

Segundo uma testemunha que trabalha em frente ao bar que ocorreu a discussão, quando o casal resolveu ir embora, o homem começou a fazer ameaças de morte. “Vocês vão se f*”, teria dito o agressor. 

Tentativa de homicídio

Quando saíram na moto, Jonas (que pilotava o veículo) percebeu que o homem os estava seguindo de carro. Quando passaram por uma parada obrigatória na avenida Eldorado, mesma da Praça, ocorreu a violência: o agressor disparou tiros contra o casal.  

  Jonas foi atingido por dois tiros que alcançaram seu pulmão. Um dos projéteis acertou ainda o ombro do esposo dele, Emanoel. A bala ficou alojada no corpo da vítima.  

O primeiro instinto do Emanoel foi salvar o amor da sua vida. Mesmo baleado ele foi em busca dos ferimentos do marido. Percebeu serem na região do pulmão e pressionou os ferimentos para que o sangue parasse de sangrar. Jonas estava começando a ter dificuldades para respirar. 

Não demorou muito e populares chegaram para ajudar os dois. Rapidamente um guincho foi chamado para levar Jonas ao hospital, já que estava gravemente ferido e as testemunhas tinham medo de mexer muito o corpo dele para colocar dentro de um carro.

Emanoel não saiu do lado de Jonas nem por um segundo. Durante a ida ao hospital, que levou cerca de 15 minutos, os dois ficaram conversando para manter Jonas acordado. No local,  a equipe médica atendeu os dois rapidamente. De início, pensaram ser uma briga de trânsito, por isso ficaram impressionados quando souberam da história e do caso de preconceito que havia resultado na tentativa de homicídio.

Emanoel também foi atingido pelo projétil | Foto: Divulgação

Revolta

A defesa da causa LGBTQA+ é presente na vida de Emanoel. O jovem é natural da Paraíba e trabalha como técnico de laboratório e educador comunitário do  Instituto de Pesquisa Clínica Carlos Borborema (IPCCB) – que trabalha na busca da melhoria da saúde e qualidade de vida da população LGBTIQA+. Defender a causa e trazer meios para melhorá-la faz parte do seu dia a dia. 

Apesar de ter noção da existência da homofobia, viver ela na pele tão violentamente não é fácil. Em pleno 2021, amar alguém do mesmo gênero ainda pode ser o motivo de assassinatos. Emanoel se revolta ao pensar que existem pessoas dispostas a matar só por ele amar o próprio marido. Senta raiva ao pensar que tanto ódio no coração faça uma pessoa a chegar nesse extremo. 

“Me doeu muito em saber que existe gente que consegue tentar te matar por se incomodar. Eu vivo minha vida como qualquer pessoa, pago minhas contas, obedeço à lei e tipo, a pessoa tentar me matar por eu estar vivendo a minha vida? Ela se incomodar por eu ser quem eu sou? Em nenhum momento me incomodo com as pessoas por elas serem quem elas são. É muito chocante que a pessoa consiga chegar a esse extremo em uma coisa que não afeta a vida dela em nada. É simplesmente por odiar os outros” -Emanoel, vítima do crime.

 Quando o preconceito vira rotina

Segundo o GGB, O Amazonas é o terceiro estado do Brasil e o primeiro da região Norte com mais mortes violentas de pessoas LGBTQIA+. De acordo com os dados, foram 237 mortes no país, só em 2020. Destas, 215 foram homicídios (90,71%), 13 por suicídio (5,48%)e nove latrocínios (3,79%). As principais formas violentas de morte foram por disparo de arma de fogo (88), esfaqueamento (48), espancamento (19) e estrangulamento (13).

O relato de Emanoel e Jonas pode assustar no primeiro contato, mas representa apenas um de diversos casos violentos registrados todos os anos, em Manaus. Em abril, uma mulher trans foi assassinada a pauladas no Centro. Dois meses antes, fevereiro, outra vida interrompida. Manuela Otto foi morta por um policial com quem estava saindo.

“Todos nós que somos LGBTs sentimos isso e não foi nada escondido, foi público, entendeu? Aconteceu em uma via pública. Atingiu nossos corações e nossas mentes. Por isso, precisamos deixar um recado, não vamos deixar que esse crime seja esquecido”, comenta Gabriel Mota, ouvidor da Associação Manifesta LGBT+, que acolhe pessoas da sigla em Manaus.

Em reportagem anterior, o EM TEMPO mostrou como vítimas de supostos crimes de homofobia têm dificuldade para denunciar os casos. Em junho solicitamos dados de crimes de homotransfobia ocorridos no Estado desde 2019, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) tipificou o delito como crime de racismo. O pedido foi feito à Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM), órgão responsável por gerir informações sobre crimes no Amazonas.

A secretaria retornou à solicitação com a informação de não terem sido registrados, oficialmente, crimes de homotransfobia em 2019, 2020 e 2021, no Amazonas. Esse dado da não existência dos casos vai ao desencontro do que dizem entidades, como o Grupo Gay da Bahia (GGB).

Apesar disso, o ativista Gabriel Mota relata que a vítima da tentativa de homicídio não teve problemas quando foi realizar a denúncia na Delegacia Geral de Polícia do Amazonas.

“Conseguimos ter o atendimento necessário, embora o Amazonas não tenha cumprido o que divulgou em 2019, de que teria uma delegacia específica para crimes LGBT. Ainda assim, o delegado Reinaldo Figueira nos atendeu prontamente e se colocou à disposição. Tivemos essa felicidade de termos sido muito bem atendidos. Soubemos também que a delegada-geral, Emília Ferraz, irá acompanhar o caso”, contou Gabriel.

O ativista destaca que o Manifesta LGBT+ tem prestado todo o auxílio jurídico e psicológico às vítimas e continuará prestando suporte para que o caso não seja esquecido. Segundo ele, o caso será levado à Justiça. Há testemunhas e o local onde ocorreu a discussão possui duas câmeras, como avaliou a reportagem em ida ao local. Jonas continua internado, mas já está fora de risco de vida. Segundo Emanoel, o esposo está utilizando drenos nos pulmões para tirar secreções que surgiram após os tiros perfurarem os órgãos. 

Fonte: Em tempo

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